(Betto Gasparetto)

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CAPÍTULO I — Das Raízes da Vaidade
O amor nasceu soberbo como aurora,
Vestiu-se em ouro antes de ser verdade;
Mirou-se em mim qual fonte que se adora
E fez do próprio ardor sua vaidade.
Quis ser jardim sem aceitar a terra,
Flor sem raiz, perfume sem espera;
Mas todo afeto que se exalta e erra
Aprende tarde o peso que o tempera.
Amei-te assim, altivo e desmedido,
Crendo ser rei num trono imaginado;
Hoje sei bem: o amor só é erguido
Quando se curva, humano, ao ser amado.
CAPÍTULO II — Lábios de Aconchego
Teus lábios são abrigo contra o tempo,
Portas abertas quando a noite cai;
Neles repousa o verbo mais sereno
Que a dor escuta e, dócil, se desfaz.
Não pedem pressa, exigem permanência,
São casa acesa em tarde de inverno;
Beijá-los é firmar sobrevivência
Num pacto antigo, terno e sem governo.
Se o mundo ruge em vozes de aço e medo,
Tua boca me ensina outro idioma:
O silêncio que salva, lento e cedo,
E aquece o peito como antiga soma.
CAPÍTULO III — Abraços de Ternura
Há braços teus que sabem do meu cansaço
Antes que eu diga o peso de existir;
Eles me cercam como firme laço
Que não aprisiona — ensina a florir.
No teu abraço, o caos se ajoelha,
A alma desaprende a se defender;
Sou menos lâmina, sou mais centelha,
Quando teu corpo escolhe me acolher.
Quem toca assim não busca posse ou mando,
Mas comunhão, repouso e partilha;
Teu gesto é reino manso se formando
Onde o amor governa sem armilha.
CAPÍTULO IV — Beijos e Desejos
O beijo é chama escrita em carne viva,
Promessa breve que incendeia o chão;
Desejo é rio que jamais deriva
Sem encontrar teu corpo em contramão.
Não é só fome: é sede de infinito,
É verbo ardendo à beira do dizer;
Na boca o mundo cabe, pequeno e rito,
E o tempo esquece a pressa de correr.
Se peco, é por querer-te em demasia,
Por fazer do teu toque religião;
Pois todo amor que ousa em poesia
Prefere o risco à fria negação.
CAPÍTULO V — Por um Motivo a Mais
Amo-te não por tudo que me dás,
Mas pelo que em mim fazes despertar;
Por esse “a mais” que nunca pedes, mas
Insistes, silenciosa, em me ofertar.
És causa quando o efeito já termina,
Luz remanente após o pôr do sol;
Amar-te é escolha lúcida e contínua,
Não acidente, impulso ou arrebol.
Se o mundo exige máscaras e jogos,
Contigo sou apenas o que sou;
E nesse excesso simples — entre nós —
Descubro o amor maior que já restou.
CAPÍTULO VI — Soneto Inacabado (Do Amor que Hesita)
Se te disser que o amor não sabe o rumo,
Minto: ele sabe, mas prefere tardar;
Tem medo antigo de perder o lume
Que faz do peito um lugar de ficar.
Teu nome soa em mim como sentença
Que pede vida antes de conclusão;
Sou verso preso à própria reticência,
Temendo o fim que nasce da paixão.
Se avanço, temo o peso da verdade;
Se calo, sangra em mim o não dizer…
(o soneto se interrompe, como o amor que ainda não ousou concluir-se)
(Betto Gasparetto – x-mmxx)