(Betto Gasparetto)

By Kontext 2v1+InG Flux Schnell+ Starlight XL, Atomix XL v4 Lightning
I
O corredor, tão longo e silencioso,
É ponte entre o ontem e o amanhã.
Nele o relógio soa vagaroso,
E o som do tempo é doce e humano.
Cada retrato antigo é testemunha
Do que o amor soube sem precisar dizer.
E o chão, gasto, suspira e se insinua,
Como quem lembra e tenta agradecer.
Na estante o tempo é apenas moldura,
E o presente, a maior pintura.
II
O jardim lá fora tem folhas velhas,
Mas nelas nasce o verde a cada outono.
As flores guardam chuvas e centelhas,
E o vento escreve o nome do abandono.
Mas mesmo o musgo, velho e paciente,
É prova de que o amor não apodrece.
A terra, sábia, aprende o que é presente,
E o fruto, lento, sempre amadurece.
E o destino, em paz, vê o ciclo exato:
A vida é casa em constante trato.
III
Nosso lar não tem luxo, tem sossego,
E a luz das tardes pousa no retrato.
O tempo, ali, se esquece de ter ego,
E a sombra aprende o dom do desacato.
Tudo é pequeno, mas cabível e inteiro,
Tudo é singelo, mas profundo e forte.
E a vida, enfim, se faz o verdadeiro,
Ao se abrigar nas janelas do norte.
A casa é verbo e verso, voz e chama,
E o teto guarda o rumor de quem ama.
IV
Se um dia o vento levar nossa morada,
O chão guardará o rastro dos degraus.
E o sol, ao ver, dirá: “Foi bem morada,
Pois teve riso, pão e ideais iguais.”
A vida, então, nos chamará de volta,
Para um quintal maior e sem fronteira.
E o amor, que é tijolo e fé mais alta,
Erguerá casa azul de primavera.
Nada se perde quando há ternura:
O lar é o tempo em forma de estrutura.
V
E quando o mundo em si desabar,
Restará a lembrança, firme e bela.
Nosso lar, que o tempo quis levar,
Ficará aceso como uma estrela.
A casa que o destino nos empresta
Não tem contrato, tem gratidão.
E o coração, que nela se manifesta,
É o telhado da criação.
Que seja eterna enquanto houver janela
E o teu olhar sorrindo dentro dela.
(Betto Gasparetto- viii-mmxxii)